sábado, 28 de março de 2015

Croton glandulosus,
Fungo Parasítico e Insetos Micófagos
Por Lucia Maria Paleari e Eduardo Bagagli



Fungos,
um grupo especial de seres vivos
 
Os fungos, que em outros tempos já foram considerados plantas, passaram por estudos aprofundados, mais detalhados, e são agora melhor compreendidos. Embora apresentem algumas semelhanças com vegetais e, principalmente com animais, eles têm características tão peculiares na maneira de ser e de se reproduzir, que os sistematas, pesquisadores que estudam e organizam os seres vivos em grupos de acordo com o grau de parentesco que possuem, entenderam que os fungos deveriam ser reunidos em um Reino próprio: o Reino Fungi.

Os micologistas, pesquisadores que se dedicam ao estudo dos fungos, sabem como poucos, o quanto esse reino é fascinante, porém difícil de ser estudado. Isso porque, além de estruturas reprodutivas microscópicas, os fungos filamentosos, que possuem hifas, apresentam pouca diferenciação morfológica.
 
Quando associados aos diferentes tipos de substratos ou hospedeiros que lhes servem de alimento, os fungos apresentam intensa atividade fisiológica, isto é, reações físico-químicas que servem ou para degradar, digerir o substrato, ou para estabelecer intimas relações de troca com o hospedeiro vivo. Por isso, dizemos que, literalmente, os fungos vivem imersos naquilo que lhes serve de alimento.
Os integrantes desse reino podem se reproduzir de forma sexuada e assexuada, a depender da quantidade ou natureza do alimento disponível, sem contar que muitos deles podem mudar completamente a aparência, quando passam por certas fases que, não raro, acontecem em diferentes hospedeiros.
Um exemplo dessas mudanças acontece com o fungo denominado Euoidium sp. (=Oidium sp.), que recebe esse nome apenas na sua fase assexuada, também conhecida como anamórfica, enquanto se desenvolve em partes aéreas de diversas plantas hospedeiras, como Croton glandulosus. Nessa fase assexuada, ele cresce com aparência de fios de algodão recobrindo folhas, ramos e frutos (Figura 1, imagens B e C), ou apresenta aspecto pulverulento (Figura 1, imagens D), isto é, de pó fino.   O Euoidium sp. (=Oidium sp.), é um parasita que causa a doença popularmente conhecida como “oídio” ou “míldios pulverulentos”.



Figura 1 - Croton glandulosus: (A) Planta sadia, com ramos verdes ou avermelhados e folhas verdes; (B-C) Plantas doentes, com ramos esbranquiçados, principalmente nos ápices, por estarem recobertos com finos fios (hifas) do fungo Euoidium sp., também conhecido por Oidium sp.; (D) Detalhe de uma folha com Euoidium sp. apresentando aspecto pulverulento.

Esse fungo pode também desenvolver sua fase sexuada em folhas da mesma planta, mas já caídas, como se pode ver na figura 2. Nessa condição, ele apresenta estruturas morfológicas reprodutivas, corpos de frutificação, que são típicas de fungos Ascomicetos, Ordem Erysiphales, Família Erysiphaceae. Dentro desta família existem já descritas no mundo todo, cerca de 900 espécies, que estão organizadas em 16 gêneros.


Figura 2 – Folha de Croton glandulosus coletada do chão, apresentando fungo em fase de frutificação (manchas negras).


Vilão ou mocinho?
Quando pronunciamos a palavra parasita, quase sempre nos vem à mente aquele ser vivo que causa algum tipo de prejuízo, razão de ser considerado um vilão.
Mas, será que na Natureza o vilão é mesmo vilão? 

Se considerarmos que todos os seres vivos precisam de alimento para viver, podemos dizer que, na Natureza, não existe nem vilão, nem mocinho, mas, sim, seres que apenas buscam continuar vivos. E não há nada de indigno nesse comportamento. O parasita não é mau por isso. Maldade é um conceito criado pelo Homem que, embora inadequadamente utilizado, quando transferido a organismos não humanos, passou a fazer parte da nossa linguagem. Nós humanos, por exemplo, não somos maus quando, para nos alimentarmos, tiramos a vida de um pé de alface ou de um peixe. Mas somos maus, por exemplo, quando de maneira indiscriminada fazemos sofrer ou até matamos seres indefesos, como acontece na caça e na pesca, praticadas como modalidades esportivas. Também somos maus ao poluirmos os mares, os rios, a atmosfera, os campos, as cidades, enfim, o ambiente todo. Isso porque, com tal comportamento inconsequente, irresponsável, impossibilitamos que a vida continue a se manifestar em sua plenitude, além de deixamos, egoisticamente, de contemplar as gerações que nos sucederão, com um planeta habitável.
Durante milhões e milhões de anos, plantas e animais foram paulatinamente surgindo na Terra e coevoluindo em complexas redes de interações, cujos padrões, cientistas buscam incansavelmente compreender.  Assim também aconteceu com Croton glandulosus que hoje está, direta e indiretamente, intimamente relacionado com inúmeros seres vivos.
Portanto, não é adequado nos referirmos ao fungo parasítico como vilão dessa história, mesmo quando consideramos que as suas hifas, que compõem o micélio , ao recobrirem as folhas e ramos da planta, reduzem a passagem de luz e, consequentemente, a realização da fotossíntese, o que leva o vegetal a ficar debilitado. Também o crescimento e a forma como o Croton glandulosus emite os ramos e os frutos ficam alterados, principalmente quando a planta que recebeu o fungo é jovem, porque ele penetra os tecidos dela e vai retirando para si, parte dos nutrientes que serviriam para que ela crescesse saudável.

Com a história contada simplesmente assim, como acabamos de fazer, o fungo parece mesmo um vilão implacável, que pode, inclusive, levar o vegetal à morte. Mas, e se dissermos que esse fungo aparece na planta apenas no outono, por volta de abril-maio, quando grande parte dos indivíduos de Croton glandulosus, que é uma espécie anual, já está em fase final do seu ciclo, em fase de senescência? Além disso, e se dissermos que mesmo repletas de fungos as plantas podem produzir sementes e dispersá-las? Ou dizer que nem todas as plantas com fungo morrem? Mais ainda: E se dissermos que esse fungo serve de alimento para várias espécies animais?
Pois tudo isso acontece e, sendo assim, não podemos tratar de maneira simplista o papel do fungo Euoidium sp., ao infestar o Croton glandulosus. É bem verdade que ele prejudica indivíduos dessa planta, que podem até mesmo morrer, mas, por outro lado, esse fungo é fonte de nutrientes para insetos, por exemplo, que, por sua vez, também poderão servir de alimento a outros animais ou poderão ter outros papéis, dentre eles o de predação. É o que acontece com certas joaninhas, que são principalmente predadoras de pulgões, como os que sugam seiva de C. glandulosus. Enfim, trata-se de um sistema complexo, que para ser bem compreendido, exige estudos e interpretações de totalidade, diferente do que nos habituamos a fazer. 

Um verdadeiro
campo de pastagem


Observe a folha de Croton glandulosus na figura 3. Ela está infestada pelo Euoidium sp. Sobre a folha, alimentando-se das hifas do fungo, podemos ver também um besourinho denominado de Physillobora gratiosa, gracioso pelo tamanho pequeno e cores do seu corpo. Esse besourinho, da Família Coccinellidae, Tribo Halyziini, tem cerca de 2 mm e foi flagrado em Botucatu, SP, num mês de julho, em pleno inverno, quando muitos recursos alimentares normalmente ficam escassos e o ar bastante seco na região. Essa condição ambiental estimula muitos insetos a entrar em diapausa, estado no qual eles permanecem em repouso alimentar e reprodutivo, enquanto perdurar o período desfavorável.

Figura 3 - Adulto Psyllobora gratiosa alimentando-se de fungo, sobre folha de Croton glandulosus

Uma explicação plausível para o fato de o besourinho Physillobora gratiosa não ter entrado em diapausa como diversos insetos, e ter-se mantido ativo, alimentando-se e reproduzindo-se em pleno outono-inverno, tem a ver com o fato de, sendo ele um micófago (mykes = fungo; fago = comer), dispor de alimento em abundância para garantir-lhe a sobrevivência.  Duas outras espécies de insetos, que também frequentam Croton glandulosus, foram observadas consumindo Euoidium sp.: uma joaninha, também da Ordem Coleoptera e Família Coccinelidae, como Psyllobora gratiosa, mas que faz parte de outra Tribo, a dos Coccinellini, e um lacerdinha ou trips, que pertence à Ordem Thysanoptera (Figura 4). 


Figura 4 – (A) Larva de joaninha, da Família Coccinelidae, Tribo Coccinellini, cujo adulto pode ser visto aqui e (B) lacerdinha ou trips, da Ordem THysanoptera, ambos alimentando-se do fungo parasítico de Croton glandulosus.

A Physillobora gratiosa, assim como os demais membros da ordem Coleoptera, durante o seu desenvolvimento passa por quatro fases, que compõem o que foi denominado de ciclo de vida completo: ovo, larva, pupa e adulto (Figura 5).


Figura 5 - Ciclo de vida de Psyllobora gratiosa
 (OBS: não foram mantidas as proporções dos indivíduos nas diferentes fases; imagens foram ampliadas
 para facilitar a visualização)

Quando um ser vivo apresenta todas essas fases de desenvolvimento, como acontece também com abelhas e vespas, grupo dos Himenópteros, eles são denominados de holometábolos (Holo = inteiro; metábolo = que sofre metamorfose, mudança).

Na face inferior das folhas de Croton glandulosus, as fêmeas de Physillobora gratiosa deixam minúsculos ovos de aproximadamente 0,75 mm de altura. De cada ovo eclode uma larva. Essa larva, enquanto cresce, também passa a se alimentar do fungo até se transformar em pupa, e após alguns dias emergir como adulto. Todas essas fases de crescimento compõem o ciclo de vida de Psyllobora graciosa e dos demais besouros.
 
Apesar de a maioria das pessoas, tratarem Croton glandulosus e as demais espécies ruderais depreciativamente como mato, essa euforbiácea revela a beleza, a riqueza e a complexidade ainda mal compreendida, das inúmeras interações com muitos artrópodos.  Sabemos que esse sistema é uma ínfima parte da Natureza e que com ela está interligado por meio de inúmeras outras interações complexas, igualmente mal compreendidas. Sabemos ainda, que a velocidade das profundas alterações que o Homem está impingindo ao ambiente é incompatível com a vida que temos, ao provocar a esgarçadura desse emaranhado de interconexões. Por isso, diante dessa realidade, só temos uma saída: agir respeitosamente e esperar que a sensibilidade e a sensatez se apoderem de todos, em particular daqueles que têm nas mãos poderes de decisão sobre os rumos da Humanidade, para que não sejamos condenados, inexoravelmente, à autodestruição.

Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br
Eduardo Bagagli
bagagli@ibb.unesp.br